Petición de contribuciones (libro)
A presente proposta de um volume II da série Feminino em Historiografia Linguística: Contrastes no tratamento do Léxico e da Morfologia (Associação de Linguística e Filologia da América Latina (ALFAL) — Projeto 31: Gênero e Historiografia das ciências da linguagem: Américas (Altman, Polachini & Lourenço, coords., ALFAL, 2023-2026) se insere em meio a uma série de atividades que vimos desenvolvendo na direção de congregar, através da disciplina Historiografia Linguística, professores, pesquisadores e pesquisas que têm se desenvolvido de forma independente, ou mesmo isolada, sobre a historiografia linguística latino-americana. Para isso, foi criado um projeto coletivo no âmbito da Associação de Linguística e Filologia da América Latina (ALFAL) — que se reuniu pela primeira vez no XX Congresso Internacional da Associação, em Concepción, Chile, entre 22 e 26 de janeiro de 2024. Participaram deste encontro 12 pesquisadores com trabalhos que versaram sobre Brasil (São Paulo, Bahia, Brasília), Argentina, Peru, Colômbia, Chile, Portugal e Espanha, estes dois últimos fontes das tradições metalinguísticas das Américas Espanhola e Portuguesa.
Ainda em Concepción, foi apresentado o primeiro volume da série que concretiza parte dos estudos coletivos do Projeto 31, intitulado Feminino em Historiografia Linguística: Américas. Vol I, org. por Cristina Altman e Julia Lourenço. (São Paulo, Pontes / CAPES / CEDOCH-DL / USP, 2023, 310pp.). O segundo volume da série, provisoriamente intitulado Feminino em Historiografia Linguística: Contrastes no tratamento do léxico e da morfologia, org. por Cristina Altman e Maria Martínez-Atienza, (Univ. Córdoba, ES), tem sua publicação prevista para 2026. Ambos, livros e projeto visam a traçar diretrizes comuns de pesquisa que nos permitam compreender a especificidade do caminho que as mulheres latino-americanas percorreram até atingir o status acadêmico de pesquisadoras e professoras universitárias.
Temática
Como já reiteramos em publicações anteriores (cf., por ex., Altman e Lourenço, 2023, Prefácio), embora a temática da participação das mulheres em vários domínios, inclusive o científico, não seja novidade, ela ainda apresenta desafios para o pesquisador contemporâneo. A necessidade, para alguns, de estabelecer fronteiras rígidas entre valores tradicionalmente científicos, como exaustividade, neutralidade e objetividade, e valores culturais, como engajamento político e ação social, tem promovido o debate, também em Historiografia Linguística, sobre os limites das categorias ‘externas’ e ‘internas’ na análise dos seus objetos. Até que ponto considerarmos o gênero como variável relevante em nossas metodologias de trabalho afetaria a objetividade dos nossos resultados?
O primeiro desafio, pois, é nos posicionarmos em relação a esses limites. Assumimos de antemão que a justaposição de pontos de vista variados sobre o tema contribui para a inserção, tanto da epistemologia feminista (Harding, 2004), quanto da metodologia historiográfica, na realidade social e histórica das culturas latino-americanas, sobretudo. É nossa convicção que parâmetros como gênero, período histórico, funções sociais, tradições culturais e posição geopolítica são dimensões relevantes para a preservação de bens (meta)linguísticos imateriais. Dito de outra maneira, a incorporação de valores sociais e culturais na historiografia da atividade intelectual feminina, ou de outras atividades não formalizadas, aumenta qualitativamente nosso poder de descrição e interpretação da história das ciências da linguagem.
Com efeito, os materiais que compõem uma pesquisa em Historiografia Linguística sobre o feminino ultrapassam em muito as formas de conhecimento sobre a linguagem tradicionalmente designadas como gramáticas, vocabulários, ensaios teóricos. Há sutilezas nos processos de atuação feminina na sociedade latino-americana que nos alertam sobre o equívoco de considerar o feminino como um conceito único e universal. Embora, inegavelmente, haja pontos comuns no percurso dessas mulheres – sul-americanas, caribenhas, ibéricas – como sugerem nossas pesquisas até agora. Com efeito, nossa percepção inicial é que, para além da diversidade geográfica e histórica que as diferencia, essas mulheres estão enraizadas em sociedades profundamente católicas, hierárquicas, desiguais, cujas normatização é medida pela régua masculina.
Nossa conclusão provisória é que a divisão do mundo do conhecimento em assuntos teóricos, abstratos, masculinos, e assuntos femininos mais concretos, aplicados ao ensino e aos textos foi reproduzida no domínio das ciências da linguagem e, mutatis mutandis, na formação em Letras ao longo do século XX. Ao mesmo tempo que formavam tradutoras, professoras de línguas e literaturas, (atividade permitida), as disciplinas de Letras que se apresentavam como ‘ciência’, promoviam pesquisas em quadros teóricos mais técnicos, de metalinguagem altamente formalizada, de instrumental analítico automático, computadorizado, experimental (atividades inacessíveis às moças até as décadas de 1940 e 1950). Era o lado hard das ciências da linguagem que as aproximava do cientista e as distanciava do modelo mãe-professora. Esta geração heroica, que se lançou à atividade científica nos anos 1960 e 1970 no Brasil, moldou o conhecimento que produziu, mais pela sua adesão a um conjunto de valores masculinos, do que pela sua especificidade feminina (Altman & Lourenço...).
Como se deram esses processos em outros Brasis, longe das metrópoles, e em outras realidades geopolíticas latino-americanas e caribenhas, e em outros continentes que coparticipam da nossa história? É em torno desta pergunta que pretendemos desenvolver o vol. II.
Metodologia
Esperamos que cada pesquisador se baseie em fontes originais e desenvolva um texto também original, utilizando metodologia compatível com os princípios gerais da Historiografia Linguística. Sugerimos, por exemplo, a leitura de Coelho, org. 2021; Koerner 1989; Lacey 2010; Swiggers, entre vários outros, 2004, 2009, 2010, 2013, 2014, 2015, 2020, Zamorano 2008). Os autores, entretanto, devem se sentir à vontade para utilizar outras metodologias, desde que estejam explícitas em suas narrativas.
1. Até o momento observamos que a produção gramatical feminina se inicia na América em meados do século XIX, quando se criam condições externas favoráveis à absorção do trabalho feminino em escolas: geralmente escola para crianças, para moças, para garotas e garotos do ginásio.
2. No vol. II exploraremos também as condições internas dos escritos gramaticais femininos, ou seja, vamos explorar o conteúdo dessas gramáticas no que diz respeito ao (ensino do) léxico e/ou morfologia. Até onde pude verificar em algumas gramáticas de autores brasileiros do final do séc. XIX, há elementos bastante interessantes a serem explorados tais como:
- classes de palavras; formatação gramatical das unidades linguísticas nas tradições hispano-americana; luso-brasileiras; e luso-tupis, por exemplo:
- aplicações específicas a categorias morfológicas;
- conceito de lexicologia; ‘lexeologia’; morfologia; palavra; afixo; prefixo etc.;
- metalinguagem e terminologia relativas a essas partes da gramática; conteúdos incluídos em cada uma dessas partes das gramáticas;
- cruzamento de referenciais teóricos nem sempre compatíveis com os dados apresentados, particularmente no tratamento da flexão e/ ou derivação;
- exemplos com dados da literatura da metrópole (= Portugal / Espanha):
- exemplos literários;
- exemplos da língua falada;
- exemplos do repertório da própria autora? conceitos de flexão e derivação;
- semântica?
3. Contrastes:
- sugerimos igualmente que se estabeleçam contrastes entre pelo menos uma autora-mulher (ou mais de uma, claro) e seus pares masculinos; ou entre uma autora europeia e uma autora americana; ou entre autoras de momentos teóricos diferentes, etc.;
- explicitem as fontes consultadas, os critérios de seleção de dados, as categorias de análise; os resultados.
Espera-se uma historiografia crítica em que se interpretem os resultados relativamente aos pressupostos teóricos adotados; à metodologia utilizada; e ao problema linguístico tratado pela(s) gramática(s) objeto.
Referências
ALTMAN, Cristina e Júlia Lourenço, orgs. 2023. Feminino em Historiografia Linguística: Américas. Vol I São Paulo, Pontes/ CAPES/ CEDOCH-DL-USP, 2023.
COELHO, Olga, org. Fontes para a Historiografia Linguística: Caminhos para a pesquisa documental. Campinas: Pontes, 2021.
HARDING, Sandra. 2004. Rethinking Standpoint Epistemology: What is ‘Strong Objectivity? In. Harding, Sandra (ed.). The femininst standpoint theory reader. Intellectual and political controversies. New York: Routledge.
KOERNER, E. F. Konrad. Practicing Linguistic Historiography: Selected essays. Amsterdam & Philadelphia: John Benjamins, 1989 (1ª. parte).
LACEY, Hugh. Valores e atividade científica 2. São Paulo: Editora 34, 2010.
SWIGGERS, Modelos, métodos y problemas en la historiografía de la lingüística”. In: C. Corrales Zumbado – J. Dorta Luis et al. (eds.), Nuevas aportaciones a la historiografía lingüística. Actas del IV Congreso Internacional de la SEHL, La Laguna (Tenerife), 22 al 25 de octubre de 2005, vol. I, 113-146. Madrid: Arco Libros, 2004.
SWIGGERS, Pierre. Gramaticografía e historiografía: una visión retro- y prospectiva. Anales de Lingüística (Univ. de Cuyo), n.s. n° 4. 139-154, 2020.
ZAMORANO Aguilar, Alfonso. 2008. “En torno a la historia y la historiografía de la lingüística. Algunos aspectos teóricos y metateóricos”, F. M. Carriscondo Esquivel y C. Sinner (eds.), Lingüística española contemporánea. Enfoques y soluciones, München, Peniope [ELS, Études Linguistiques/Linguistische Studien], Band 3, pp. 244-277.
Cordialmente,
Cristina Altman (altman@usp.br)
María Martínez-Atienza (mmartinezatienza@uco.es)
Universidad de Córdoba (España)
<mmartinezatienzauco.es>